quinta-feira, 28 de julho de 2016

Formação de Língua Portuguesa - Leitura e interpretação de texto

Material trabalhado no curso - Praticas de linguagem - Alfredina Nery 



Avaliação de leitura (itens de múltipla escolha)
Com o objetivo de realizar uma avaliação de leitura, a proposta é que os alunos, individualmente, e, por escrito, façam uma avaliação de múltipla escolha. Para isto, leem, autonomamente, o texto (que já foi objeto de uma Sequência Didática, por exemplo) e ao lerem os itens, assinalam, em cada um, a alternativa que considerarem correta.

Texto selecionado
O ratinho, o gato e o galo
Certa manhã um ratinho saiu do buraco pela primeira vez. Queria conhecer o mundo e travar relações com tanta coisa bonita de que falavam seus amigos.
            Admirou a luz do sol, o verdor das árvores, a correnteza dos ribeirões, a habitação dos homens. E acabou penetrando no quintal duma casa da roça.
— Sim senhor! É interessante isto!
Examinou tudo minuciosamente, farejou a tulha de milhão e a estrebaria. Em seguida notou no terreiro um certo animal de belo pêlo que dormia sossegado ao sol. Aproximou-se dele e farejou-o sem receio nenhum.
Nisto aparece um galo, que bate as asas e canta.
O ratinho por um triz não morreu de susto. Arrepiou-se todo e disparou como um raio para a toca. Lá contou à mamãe as aventuras do passeio.
— Observei muita coisa interessante — disse ele— mas nada me impressionou tanto como dois animais que vi no terreiro. Um, de pêlo macio e ar bondoso, seduziu-me logo. Devia ser um desses bons amigos da nossa gente e lamentei que estivesse a dormir, impedindo-me assim de cumprimentá-lo. O outro... Ai, que ainda me bate o coração! O outro era um bicho feroz, de penas amarelas, bico pontudo, crista vermelha e aspecto ameaçador. Bateu as asas barulhentamente, abriu o bico e soltou um có-ri-có-có tamanho que quase cai de costas. Fugi. Fugi com quantas pernas tinha, percebendo que devia ser o famoso gato que tamanha destruição faz no nosso povo.
A mamãe-rata assustou-se e disse:
            — Como te enganas, meu filho! O bicho de pêlo macio e ar bondoso é que é o terrível gato. O outro, barulhento e espaventado, de olhar feroz e crista rubra, o outro, filhinho, é o galo, uma ave que nunca fez mal nenhum. 
            As aparências enganam. Aproveita, pois, a lição e fica sabendo que —
                                                         Quem vê cara não vê coração.
                        (LOBATO, Monteiro. Obra infantil completa. Volume "Fábulas". São Paulo: Brasiliense)



Leia a fábula e, para analisá-la, assinale apenas uma alternativa em cada item.
1. O ratinho saiu da sua casa para
a) conhecer o mundo e todos os animais, inclusive o gato e o galo.
b) conhecer o mundo, saber se comportar e voltar mais corajoso.
c) saber quem é amigo e quem não é, em qualquer ocasião.
d) conhecer o mundo e travar relações com as coisas bonitas.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Localizar informações explícitas em um texto. (D 1)

Resposta:  d
Comentário:   ler é um ato  complexo que articula processos cognitivos que nem sempre nos damos conta deles.  Ao ler,
·         fazemos antecipações, sobre o que vamos ler, a partir de elementos paratextuais, como título, epígrafes, prefácios, sumários, imagens, saliências gráficas e ainda antecipações sobre o autor, o gênero textual, o suporte textual, o tema ; 
·         recuperamos informações que estão explicitas, quando fazemos reconhecimento literal de partes do texto(“ler nas linhas”);
·         inferimos informações pressupostas ou subentendidas, quando integramos partes do texto que estão relacionadas  (“ler nas entrelinhas”) ;
·         avaliamos o que lemos, quando compreendendo globalmente o texto, fazemos julgamento sobre o lido (“ler por trás das linhas”).

No caso do item, a informação está explícita, porque o leitor localiza a resposta no próprio corpo do texto, logo no começo: “conhecer o mundo e travar relações com tanta coisa bonita”),  pois parte dela foi transcrita na alternativa correta. Dados de avaliação sistêmica sinalizam que a recuperação da informação explícita é mais difícil de ser percebida, quando a informação solicitada está no meio ou no final do parágrafo ou do texto em questão. E ainda, quando há o uso de sinonímia entre o texto analisado e a construção do item, pois o desconhecimento do léxico em questão pode também dificultar a recuperação da informação explícita. Assim, há uma certa gradação de dificuldade neste descritor que necessita ser tratada, intencionalmente, nas práticas cotidianas de leitura.

2. Ao encontrar o gato dormindo, o ratinho
a) nem ligou para a aparência do gato.
b) quis fugir para conhecer o mundo.
c) gostou do belo pelo do gato.
d) arrepiou-se todo e saiu correndo.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa (sequência lógico-temporal dos fatos narrados) (D 7)

Resposta:  c
Comentário: esta habilidade exige que o leitor compreenda a fábula como uma sucessão de episódios cujo eixo se dá no tempo da narrativa. É esta habilidade que possibilita o resumo do texto, ou seja, recuperar a progressão dos episódios que se dá ao longo do desenvolvimento do enredo que compreende: situação inicial, desenvolvimento da  ação, conflito e situação final.
No item, o leitor  precisa saber qual é uma das sequências da história. Assim, após encontrar o gato, o ratinho fez todo seu julgamento a respeito do felino, considerando apenas suas características aparentes, segundo o ratinho.
3. Quando o ratinho descreve o gato para a mãe, percebe-se que  o gato não o assusta. Isto acontece porque o ratinho
a) é corajoso em qualquer situação da sua vida.
b) é um otimista quando quer fazer amizade.
c) acredita que um animal de pelo macio e ar bondoso é amigo.
d) acredita que  um animal de bico pontudo e crista vermelha pode ser amigo.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato. (D 11)

Resposta:  C
Comentário:   todo e qualquer texto é lugar de várias vozes, que constituem os fios que tecem o texto, como discurso.  Nesta direção, a  habilidade de distinguir um fato de uma opinião sobre ele ( expressa pelo autor, pelo narrador ou por um personagem quando comentam o fato) contribui decisivamente para a compreensão global do texto.
No caso do item, para entender a reação do ratinho de gostar do gato e ter medo do galo, o leitor precisa identificar que há um fato na lógica da fábula, que é “gato é inimigo de rato”. No entanto, a opinião do ratinho a este respeito está invertida: gosta do gato e tem medo do galo.

4. Nas linhas 15, 16 e 17, o ratinho descreve o galo como
a) tendo penas macias e ar bondoso.
b) tendo penas amarelas e miado feroz.
c) sendo barulhento e assustador.
d) sendo barulhento e de olhar meigo.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Identifica o conflito gerador e os elementos que constroem a narrativa (características de personagens ou ambiente) (D 7)

Resposta:  c
Comentário: É importante que o leitor reflita sobre as escolhas do autor, no que se refere às descrições de suas personagens e as relações que estabelecem entre si no desenrolar do enredo. O ambiente é outro elemento caracterizador da narrativa que contribui para criar o clima dos episódios narrados.
No item, na descrição do galo, feita pelo ratinho, há escolhas semânticas que enfatizam a opinião dele sobre o galináceo, como sendo  um inimigo: “”bicho feroz”, “bico pontudo”, “crista vermelha” (cor forte), “aspecto ameaçador”, “bateu as asas barulhentamente”, “soltou um có-ri-co-có tamanho”.

5.Nas linhas 15, 16 e 17, a palavra “tamanho” poderia ser substituída por
a) muito alto.
b ) muito esperto.
c) muito feliz.
d) muito baixo.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Inferir o sentido de um palavra ou expressão ) (D3)

Resposta:  a
Comentário:  os usos de palavras ou expressões não muito conhecidas do leitor podem representar um problema para ele compreender um texto. A consulta ao dicionário é uma prática que não somente precisa ser ensinada e praticada, como é necessário problematizar seus usos, no sentido de que não é produtivo consultá-lo, toda vez que há uma palavra desconhecida do leitor, porque isto pode comprometer, sobremaneira, a fluência da leitura. Assim, a prática de inferir os sentidos de uma palavra pelo contexto é uma ferramenta importante para a compreensão leitora. Cuidar, então, da questão dos usos lexicais deixa de ser um mero exercício para “aumentar o vocabulário do aluno”. Outro aspecto a ressaltar diz respeito ao fato de que na produção textual no momento da revisão textual, há uma excelente oportunidade de o estudante refletir sobre as palavras/ expressões que melhor se encaixam no texto, dependendo de sua intencionalidade como autor.
No item,  a palavra” tamanho” significando “o canto muito alto do galo” pode ser mesmo de pouco conhecimento dos leitores menos experientes, tendo em vista,  o autor, seu estilo e sua linguagem, bem como as variações linguísticas relativas à outra época histórica.


5. Na linha 15, o trecho “O outro... Ai, que ainda me bate o coração!” há o uso das reticências e do ponto de exclamação que mostram que o ratinho
a) informa à sua mãe seu medo do galo.
b) emociona-se ao contar para a mãe sobre o galo.
c) pergunta à mãe se o coração dele está batendo.
d) declara que tem uma doença no coração.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Identificar o efeito de sentido decorrente da pontuação e de outras notações (D 14)

Resposta:  b
Comentário:  um falante da língua, ao expressar-se oralmente, dá à sua fala um tom de voz que seja coerente com sua intencionalidade. Na escrita, isso é conseguido também por meio da pontuação. Um texto sem pontuação ou com pontuação não convencional torna a leitura mais difícil. De maneira geral, podemos dizer que o ponto de exclamação e as reticências têm um uso mais livre, a depender da intenção do autor. Os demais sinais de pontuação — ponto, ponto-e-vírgula, vírgula, dois-pontos, ponto de interrogação—estão mais presos às determinadas regras que lhe são peculiares. É bom problematizar a ideia de que tratar a pontuação de um texto vai além de meramente definir e classificar os “sinais de pontuação”, na direção de enfatizar seus usos na construção dos sentidos de um texto.
No item, o aluno deve compreender que as reticências, o ponto de exclamação e o uso da interjeição “Ai” se complementam, na direção de demonstrar as emoções do ratinho, ao contar para a mãe seu encontro com o galo que lhe deu tanto medo.


7. O ratinho enganou-se em relação ao gato e ao galo porque
a) confiou apenas na aparência dos animais.
b) era muito ingênuo e amigo de todos.
c) não quis ouvir os conselhos da mãe.
d) todo jovem se engana na vida.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Inferir uma informação implícita em um texto  (D 4)

Resposta:  a
Comentário: Para inferir “ informações implícitas”, o leitor precisa “ler nas entrelinhas”, já em um movimento de  compreender globalmente o texto. Neste sentido, as práticas de leitura na escola podem contribuir muito para a compreensão leitora dos estudantes, quando há perguntas mediadoras que orientem o olhar dos leitores em formação para compreenderem  os implícitos dos textos, de modo a favorecer o desenvolvimento de capacidades de leitura mais complexas ou, inferenciais.


Na atividade inferencial, costumamos acrescentar ou eliminar; generalizar ou reordenar; substituir ou extrapolar informações. Isto porque avaliamos, generalizamos, comparamos, associamos, reconstruímos, particularizamos informações e assim por diante. Pois inferir é produzir informações novas a partir de informações prévias, sejam elas textuais ou não. A única coisa que deve ser controlada na inferenciação é a falsidade ou a incompatibilidade do resultado com os elementos explícitos do texto.
MARCUSCHI, L. A. Compreensão de texto: algumas reflexões. In. DIONISIO, A. P. & BEZERRA, M. A. (orgs.) O livro didático de Português: múltiplos olhares. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

8. Na linha 17, a expressão  do texto  “quase cai de costas” tem sentido semelhante a:
a) Quase machuquei as costas.
b) Cai de costas na corrida.
c) Levei o maior susto.
d) Fui pego pelas costas.

Habilidade/ Descritor:  Inferir o sentido de um palavra ou expressão ) (D3)

Resposta:  c
Comentário:  já comentado no item 5.

9. Na linha 11, a palavra “ Lá” refere-se à
a) toca do ratinho e sua mãe.
b) casa onde viviam o gato e o galo.
c) casa do gato.
d) casa do galo.
Conversa com o professor

Habilidade/Descritor: Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios etc ( coesão textual com advérbio) (D 7)

Resposta:  a
Comentário: A coesão textual  é um importante conhecimento na compreensão leitora, pois determinados operadores da língua são responsáveis pelas articulações/nexos das partes do texto. O processo de leitura mais a revisão textual no processo de escrever são excelentes oportunidades de os estudantes fazerem  reflexões sobre as práticas de linguagem. Verificar que aprender o uso do advérbio, como conector, é bem diferente da aprendizagem da definição e lista classificatória ( ou seja, “ advérbio é a palavra que modifica o verbo. Os advérbios se dividem em: adv. de negação, de dúvida, de tempo, de lugar”  etc), como aprendemos na escola tradicionalmente.
No item, o leitor  precisa compreender que a palavra “Lá” substitui o referente de lugar, anteriormente citado: “a toca”, ou seja, a casa do ratinho e sua mãe.


10. A frase “Quem vê cara, não vê coração” é
a) a fala do ratinho.
b) a moral da fábula.
c) a  fala  da mãe do ratinho.
d) o início da fábula.
Conversa com o professor

Habilidade/ Descritor: Identificar o conflito gerador e os elementos que constroem a narrativa (D 6) + Identificar o tema de um texto.  (D 7)

Resposta:  b
Comentário: A fábula possui vários elementos que a caracterizam: o desenvolvimento do enredo (situação inicial, desenvolvimento da ação,  conflito, situação final); as personagens que representam “tipos humanos”, como o avarento, o ingênuo, o medroso, o corajoso, o ciumento etc); e a moral. Esta tem, neste gênero, sua saliência, pois através dela, o narrador expressa um ensinamento ao leitor ou ouvinte. Em geral, a moral está separada graficamente do corpo da narrativa, por isto pode aparecer também com outro tipo de letra ( no nosso caso, ela está escrita em itálico).
No item 2, o que é solicitado diz respeito ao tema da fábula, ou seja, as pessoas podem se enganar se considerarem apenas as aparências. O tema é tratado na comparação entre dois elementos (o gato e o galo), um representando o bem e o outro, o mal, na direção de uma compreensão de mundo redutora ou maniqueísta, por parte do ratinho (o personagem menos experiente). No entanto, a fala da mãe acaba por problematizar este aspecto, quando ressalta que o filho precisa considerar que é necessário se compreender a vida, para além das aparências, tema caro a vários filósofos e escritores, como Machado de Assis, que tratam das eternas relações entre “ser e aparecer ser”. Porém, problematizando um pouco mais, pode-se compreender que Lobato acaba por colocar na “boca da mãe” a “verdade da vida”, o que de novo, pode ser simplificador, se entendermos que a equação se fecha assim: o menos experiente (o ratinho, o filho) sabe menos. O mais experiente (a mãe, o adulto) sabe mais. Enfim a literatura nos põe em movimento, na direção da complexidade da vida.

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