Criança-papagaio
Tudo
o que o garoto dizia nada mais era do que a repetição de frases saídas da boca
de adultos
Testemunhei uma conversa entre uma
conhecida, que é mãe de um garoto de dez anos, e seu filho, que tem, segundo
ela mesma, problemas na escola. Não, ele não se recusa a aprender o que lhe é
ensinado, não faz drama com as lições de casa e tem obtido boas notas segundo a
avaliação escolar realizada.
Está certo que ele reclama da
obrigatoriedade de frequentar a escola todo santo dia e de ter de usar a
"perua escolar", porque a mãe trabalha nos horários em que ele vai e
volta da escola. Mas, fora esses dois motivos de suas frequentes reclamações, a
escola, para ele, não é uma pequena tragédia como parece ser para algumas
crianças.
Já os colegas com quem convive... Eles
são o seu pesadelo. Segundo o próprio garoto, ele vive sendo provocado o tempo
todo com apelidos que considera pejorativos, com caretas, gestos e outras
dezenas de pequenas atitudes de seus pares que o fazem perder a linha.
Ele reage quase sempre com agressividade
--bate nos colegas. Por isso, a mãe vive sendo chamada à escola e o menino vive
isolado.
Essa jovem mãe contou que já deixou o
filho de castigo --tirou dele coisas das quais ele gosta muito por vários
dias-- e que já falou para ele que o que ele tem feito é errado, mas o fato
continua a se repetir.
"O que devo fazer, onde estou
errando?", perguntou ela.
Sugeri que ela conversasse com o filho
em busca dos pontos de vista dele. Sim: uma criança dessa idade já tem noção do
que faz de certo e de errado e tem, muitas vezes, explicações surpreendentes
para seu próprio comportamento. A mãe me pediu que eu estivesse presente nessa
conversa, que aconteceu na casa deles, quando eu os visitava.
Quando a mãe lhe perguntou o que havia
acontecido no dia anterior na escola, ele de pronto respondeu que havia feito
uma coisa muito errada. "Se você sabe que é errada, por que fez?",
perguntou a mãe. "Não sei" --foi a resposta que ela teve de volta. E
assim seguiu a tentativa de diálogo entre os dois, com a mãe se mostrando
satisfeita com as respostas que obtinha do filho.
Eu não consegui ouvir o que o garoto, de
verdade, tinha a dizer a respeito de fatos que envolviam a sua vida. Tudo o que
ele dizia nada mais era do que a repetição de frases e de ideias saídas da boca
de adultos.
O garoto, tão vivaz, nesses momentos se
transformava em um "garoto-papagaio", porque descobrira que era
exatamente isso que os adultos --pais e profissionais da escola-- esperavam
dele.
Temos demonstrado tanto desinteresse pela
conversa com os mais novos que eles aprenderam a não perder seu precioso tempo
com nossas tolas e moralistas perguntas e com os questionários que fazemos a
eles. Eles dizem logo o que queremos ouvir para que possam se livrar dessas
entediantes conversas.
Mas, caso algum adulto demonstre
interesse verdadeiro em ouvir o que eles pensam sobre os problemas que
enfrentam, eles são capazes de dizer, mesmo que indiretamente, o que os
atrapalha e porque não conseguem encontrar novas soluções para as situações difíceis
que vivem.
Enquanto tivermos, antecipadamente, a
resposta certa a ser dada por uma criança quando conversamos com ela, criaremos
"crianças-papagaio", que respondem o que queremos sem ao menos saber
ao certo o que de fato significa.
Precisamos aprender a conversar com
crianças, não é verdade?
Rosely Sayão
(Folha do estado de SP- caderno Cotidiano-26/11/13)
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